Entro de cabeça erguida. Mais um dia com tanta gente há
minha volta, mas com a sensação de solidão. A sensação que nada do que dizem é
verdadeiro ou tem interesse. Oiço falarem mas não estou a processar. Tenho a
cabeça noutro sítio. Sei que estou a responder por intuição da linguagem
verbal. Correspondo mas sem pensar ao que dizem. Tenho um desinteresse quase de
desprezo por o que falam, todos em grande preocupação, pela preocupação
inexacta e por um amparo vazio. A curiosidade de todos é uma curiosidade necrófoba.
É aquela curiosidade de ver a tragédia e
sentir que as vidas deles são melhores ou estão melhores. É a eterna miséria
poucochinha do português. Os coitados têm sempre a solidariedade, oca, pois
claro, pouco real, de quem se quer sentir melhor com a merda de vida que têm.
Tenho sempre esta sensação que as palavras que me dizem não
são verdadeiras, são clichés sociais que precisam de ser ditos naquele momento.
Mas entro e sorrio e agradeço e prometo tratar da minha saúde. E entro com uma
sensação agridoce que me faz sentir arrepios. Não sei o que pensam
verdadeiramente, mas na realidade nunca me interessou o que pensam. Se parar,
escuto os pensamentos de toda a gente. Escuto a censura e o sentir de vitória.
Se escutar com atenção sei o que pensam. Na realidade não me interessa o que
pensam, nem tão pouco o que sentem.
Hoje é um dia diferente. O dia que tinha medo que
acontecesse. Aconteceu há uns dias. O dia do cair, do sucumbir e do morrer um
bocadinho. Há muito que tinha medo deste dia. Agora que aconteceu, tenho medo
que marque um marco na minha vida. Tenho medo de não conseguir fingir um pouco
mais ou de já não conseguir fingir.
Preciso de juntar os cacos, colar de alguma forma e
prosseguir. Vou arranjar uma maneira. Penso isto enquanto ainda escuto algumas
pessoas aqui dentro. Vou dizendo que sim e pensando na estratégia de
prosseguir.
Até um dia. Se chegar.
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